“O Estado tem obrigação de nos ajudar”: indígenas criticam o Marco Temporal
Membros dos Povos Originários do Piauí afirmam que a tese está cerceando seus direitos.
O Marco Temporal é uma tese de jurisprudência em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o artigo da Constituição, que garante o usufruto das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros, deveria ser interpretado contando-se apenas as terras em posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Nesta quarta-feira (20), foi retomado o julgamento do marco temporal. O Projeto de Lei 490 tramita na Câmara desde 2007 e impacta diretamente nos processos de demarcação. Além disso, o projeto tem o objetivo de conferir ao Legislativo a palavra final sobre o tema.
O diretor dos Povos Originários do Estado do Piauí, pela Superintendência de Promoção de Igualdade Racial e Povos Originários da SASC, Cacique Henrique Manuel, falou com o Correio Piauiense sobre a ameaça que enxergam no Marco Temporal.
“A gente vem lutando tanto pela demarcação dos nossos territórios, e de repente aparece a bancada ruralista com essa lei, querendo barrar a demarcação. Eles alegam que há muita terra para poucos indígenas, mas nós sabemos que o Brasil era um território indígena, então, quem deveria estar lutando pela demarcação não são os povos indígenas, eram os brancos”, apontou o diretor.
O Cacique afirma que o Marco Temporal dificulta o trabalho dos indígenas, pois dá direito às terras apenas a quem vivia nos territórios antes da promulgação da Constituição de 1988. “A gente fica preocupado com essa situação, e é gravíssimo, porque nós não temos nenhuma terra demarcada no estado, e com essa lei, dificulta ainda mais nossos direitos”.
Ainda de acordo com o Cacique Henrique, indígenas estão sendo perseguidos, principalmente no Sul do Piauí, onde as terras dos indígenas estariam sendo invadidas pelo agronegócio. O conflito pelas terras só pode ser mediado e resolvido pelo Governo Federal, por meio das demarcações, mas a ausência de uma unidade da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no Piauí é apontada como um fator que dificulta o avanço dos interesses indígenas.
Dívida do Estado
O diretor alega que o Estado possui uma dívida centenária com os povos indígenas e que os mesmos foram silenciados durante cerca de dois séculos. Agora, Henrique afirma contar com a ajuda do Governo do Piauí.
“A nossa esperança é o Governo do Estado, que está conseguindo dar alguns títulos de terra, através das terras que são do Estado, às vezes não é do Estado, que têm alguns proprietários que querem vender. O Governo negocia, procura comprar e faz com que esses territórios sejam transferidos em nome das associações, para que nós tenhamos acesso”, afirmou.
Os indígenas do Brasil, hoje
O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Brasil (IBGE) de 2022 aponta um número de 1,7 milhão (0,83% da população brasileira) de pessoas que se identificam como indígenas, o que representa um aumento de 89% em relação ao censo de 2010, que apresentava 896.917.
STF retoma julgamento
Nesta quarta-feira (20), o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do chamado "marco temporal" para demarcação de terras indígenas no Brasil.
Inicialmente, havia a expectativa de que o Congresso Nacional votasse o texto sobre a proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no mesmo dia, mas a votação foi adiada após um pedido de vista da senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
Vale destacar que o governo de Mato Grosso formalmente solicitou ao STF que os ministros aguardem uma definição por parte dos congressistas sobre o marco temporal, antes de proferirem uma decisão. A discussão em torno do marco temporal envolve uma análise profunda das implicações legais e sociais relacionadas à demarcação de terras indígenas e, portanto, requer um debate aberto e responsável.
O julgamento está programado para ser retomado nesta quinta-feira (21).
Edição de texto - Luis Fernando Amaranes