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Do barro ao futuro: inovação e sustentabilidade na construção que transforma o Piauí

Conheça a revolução sustentável que está mudando o jeito de construir e gerar renda no estado.


O que move o Brasil também pesa sobre ele. A construção civil, motor do crescimento urbano e da realização de sonhos em concreto é, ao mesmo tempo, uma das indústrias que mais pressionam o meio ambiente. Cada prédio erguido vem acompanhado de um rastro: montanhas de entulho, litros e mais litros de água desperdiçada, madeira queimada e fumaça no céu. Entre betoneiras e britas, o planeta segue pagando a conta.

Nesse cenário, conter os danos já não é mais tendência de mercado, virou questão de sobrevivência. E é aí que entra o tijolo ecológico.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseTijolo ecológico.

Sem fornos, sem desperdício de água e com uma proposta bem mais limpa, ele representa uma alternativa real à construção tradicional. Reduz impactos, encurta prazos e mostra que é possível levantar paredes sem derrubar o futuro.

No Piauí, essa ideia ainda dá os primeiros passos, mas já encontra solo fértil. Um exemplo é a fábrica Yapo Tijolos Ecológicos, criada pelo engenheiro Leonardo Pereira. A semente veio de casa: a família, em Minas Gerais, já trabalhava com o produto, mas foi a irmã quem plantou a dúvida e o plano. Ao não encontrar tijolos ecológicos no estado, acendeu-se o alerta: por que não trazer a solução para cá? 

“A gente viu que o Piauí tinha tudo pra dar certo nesse modelo, mas ninguém fazia. Quando minha irmã precisou e não achou, ficou claro que ali existia uma oportunidade de negócio e de mudança”, lembra Leonardo.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseEngenheiro de produção, Leonardo Pereira.
Engenheiro de produção, Leonardo Pereira.

Com apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), ele desenhou o projeto, viabilizou um financiamento de R$ 500 mil junto à Agência de Fomento e Desenvolvimento do Piauí (Badespi) e, em menos de um ano, viu a fábrica sair do papel. Hoje, a produção é constante: três mil tijolos por dia, com economia de até 80% de água e sem queimar nada. Cada fornada poupada, uma árvore a menos no chão. Cada peça, uma possibilidade nova de construir diferente.

“Já evitamos a emissão de mais de 150 toneladas de CO₂. Isso mostra que dá para fazer diferente e construir pensando nas pessoas e no planeta”, afirma.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseTijolo ecológico.

No Brasil, a popularização do tijolo ecológico começou a ganhar força nos anos 2000, com iniciativas voltadas à construção de moradias sustentáveis e acessíveis. Seu uso é especialmente favorecido em regiões onde recursos naturais e energia são escassos ou economicamente inviáveis. A produção desse tipo de tijolo é descentralizada e pode ser realizada em pequenas fábricas comunitárias, facilitando o acesso a comunidades distantes.

🌱 Adoção prática e o novo perfil do consumidor

Sustentável, sim. Mas também eficiente, bonito e funcional. O tijolo ecológico deixou de ser promessa alternativa para virar escolha técnica. Em algumas obras no Piauí, já é realidade assentada, bloco por bloco.

Um estudo da Union + Webster aponta que 87% dos brasileiros preferem comprar de empresas sustentáveis. E mais: 70% estariam dispostos a pagar mais por produtos que causem menos impacto ambiental. A consciência cresce. E com ela, o que se constrói e como.

Foi assim na obra de ampliação do aeroporto de Parnaíba, no litoral do estado. O tijolo ecológico entrou como solução estética, estrutural e simbólica. Parte do projeto, parte do discurso.

Foto: Reprodução/ DivulgaçãoAeroporto Prefeito Dr. João Silva Filho, em Parnaíba.
Aeroporto Prefeito Dr. João Silva Filho, em Parnaíba.

“As características técnicas foram, sem dúvida, o primeiro ponto que nos fez escolher essa iniciativa. Mas também pesou a estética, a identidade. A forma como esses tijolos são feitos, o visual deles. Tudo conversava com o que a gente queria entregar de forma limpa e sustentável”, explica o empresário Rodolpho Oliveira, responsável pela obra.

Foto: Reprodução/ DivulgaçãoEmpresário Rodolpho Oliveira.
Empresário Rodolpho Oliveira.

Como é feito o tijolo ecológico?

Muitas pessoas ficam curiosas para entender como funciona a produção do tijolo ecológico, afinal, ele é diferente do tijolo tradicional que conhecemos.

Ao contrário do que muita gente pensa, não há queima em fornos na fabricação desse tijolo. O processo começa com a mistura simples de solo, cimento e água, formando uma massa que será transformada no tijolo. Essa mistura é preparada com muito cuidado para garantir a resistência do produto, usando bem menos água do que na produção convencional, o que já é uma grande economia de recurso.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseTijolo ecológico.

Depois, essa massa passa por uma prensa hidráulica, que aplica uma pressão de cerca de quatro toneladas para compactá-la. É essa compressão que dá a resistência necessária ao tijolo, sem precisar usar fogo para endurecer, eliminando a queima de madeira e a fumaça associada.

Em seguida, os tijolos são deixados para secar naturalmente, aproveitando a umidade e a temperatura do ambiente, sem consumo adicional de energia.

Outro ponto interessante é que esses tijolos têm furos e são encaixáveis, como um grande quebra-cabeça. Por isso, em algumas construções, as colunas são erguidas sem usar concreto, simplesmente encaixando os blocos modulares chamados blocos de solo-cimento. Isso torna a obra mais rápida, limpa e com custo menor, já que o material é leve e fácil de trabalhar.

Foto: Ilustração/ Correio PiauienseProcesso de produção do tijolo ecológico.
Processo de produção do tijolo ecológico.

Além da eficiência térmica, o tijolo ecológico ainda traz benefícios importantes para o conforto e a saúde de quem vai morar ou trabalhar nos ambientes construídos. Ele ajuda a melhorar a ventilação natural, reduz a umidade que pode causar mofo, e mantém o ambiente interno mais saudável, uma preocupação crescente para quem constrói pensando no bem-estar das pessoas.

🌍 Meio ambiente e seus impactos

Barro, cimento e um pouco de água. Só isso. A revolução silenciosa da construção civil no Piauí é feita com insumos simples e impacto mínimo. Uma mudança que já se espalha por Teresina, Parnaíba e outras cidades que começam a substituir o forno pelo prensado e a fumaça pela eficiência.

Sem queima, sem lenha, sem fuligem. O uso do tijolo ecológico tem reduzido a pressão sobre biomas sensíveis como a Caatinga e o Cerrado. A informação é da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), que aponta benefícios claros do modelo. “A gente já percebe os efeitos positivos da adoção desse tipo de tijolo, especialmente em regiões mais vulneráveis. É um modelo que une preservação e geração de renda. Tem tudo para crescer, com o apoio certo”, afirma o secretário Feliphe Araújo.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseSecretário da Semarh, Feliphe Araújo.
Secretário da Semarh, Feliphe Araújo.

🔬 O olhar da ciência

Para o biólogo e professor Francisco Soares, que há anos estuda os impactos da construção civil nos biomas piauienses, o tijolo ecológico tem dois trunfos principais: reduz a extração de argila e elimina a queima, quase sempre feita com madeira nativa.

“Mesmo com manejo sustentável, a queima de madeira ainda pressiona o meio ambiente. Esse novo modelo elimina essa etapa, economiza recursos naturais e torna a construção mais limpa e eficiente”, resume.

Menos árvores derrubadas. Menos gases lançados. Menos água desperdiçada. Um tijolo mais leve para o planeta.

Políticas públicas e o desafio do acesso

Mas nem tudo é concreto. Para ganhar escala, a construção ecológica precisa de mais que boas intenções: precisa de política pública. “Sem apoio financeiro, muitas pequenas empresas não conseguem investir em inovação. Se houvesse isenção fiscal ou crédito específico para construção sustentável, o avanço seria bem mais rápido”, afirma o professor.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseVista do Rio Poty em Teresina.
Vista do Rio Poti em Teresina.

🌿  Economia verde em crescimento

Ao lado da responsabilidade ambiental, surge uma nova economia que cresce no Piauí e no Brasil: a economia verde. É um universo feito de pequenos negócios, inovação, criatividade e, sobretudo, de sobrevivência com propósito.

Levantamentos recentes do (Sebrae), mapeou cerca de 600 empresas no país que atuam com foco em sustentabilidade e, delas, aproximadamente 35 estão no Piauí, com uma vertente clara de impacto social e ambiental.

Os números mostram um movimento forte: 79% das startups de impacto no Brasil estão voltadas para soluções ambientais. Dessas, 18,7% trabalham com reciclagem e gestão de resíduos; 18,3% focam na redução de emissões de gases de efeito estufa; e 17,5% atuam no uso sustentável dos recursos naturais.

Foto: Ilustração/ Correio PiauienseDados.

Para a especialista Mirna Vaz, gestora estadual do Grupo de Ecossistema de Inovação e Sustentabilidade do Sebrae, esse cenário é mais que uma tendência, é um motor econômico e social.

“Falar desse cenário é um impulso que traz à tona vertentes importantes, como o negócio de impacto social e ambiental. O Sebrae é um apoiador fundamental dessa iniciativa em todo o Brasil. Aqui no Piauí, temos um número considerável de empresas, cerca de 35 que já abraçam essa vertente. São startups inovadoras, que carregam essa bandeira de sustentabilidade, algo que nos enche de orgulho e que mostra uma grande oportunidade para todos”, explica.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseEspecialista do Sebrae, Mirna Vaz.
Especialista do Sebrae, Mirna Vaz.

Economia real e impacto financeiro

Além do benefício ambiental, os tijolos ecológicos trazem uma vantagem que chama a atenção de construtores e investidores: a economia financeira. Segundo dados do ICLEI América do Sul (Governos Locais para a Sustentabilidade), as obras que adotam esse material podem reduzir os custos em até 40%. Um número que não só representa economia, mas também abre caminho para uma construção mais acessível e sustentável.

Rodrigo Perpétuo, secretário executivo do ICLEI, reforça o potencial desse modelo inovador. “Os tijolos ecológicos, além de contribuírem para reduzir emissões dos gases do efeito estufa porque não requerem a utilização de cimento, também contribuem para a economia da obra. Portanto, a perspectiva do desenvolvimento circular aliado ao enfrentamento às mudanças climáticas, na perspectiva de redução de emissões, além da geração de emprego e renda, é muito promissora”, destaca.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseRodrigo Perpétuo, secretário executivo do ICLEI.
Rodrigo Perpétuo, secretário executivo do ICLEI.

Geração de emprego e renda verde

A fábrica de tijolos ecológicos instalada em Teresina já nasce com potencial de transformar o mercado: são de 10 a 15 empregos diretos na largada e até 60 postos previstos nos próximos cinco anos.

Para o economista do Centro das Indústrias do Estado do Piauí (CIEPI), Márcio Braz, o impacto vai além da construção civil. “Esse tipo de iniciativa mostra que sustentabilidade também movimenta a economia. O investimento inicial de R$ 500 mil, ampliado para R$ 1,5 milhão, revela compromisso com inovação e geração de renda. E o cenário futuro é ainda mais promissor: só a cadeia do hidrogênio verde pode gerar até 20 mil empregos no Piauí nos próximos dez anos”, explicou. 

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseFábrica de tijolos ecológicos.
Fábrica de tijolos ecológicos.

As micro e pequenas empresas, que responderam por 77% das vagas formais no estado, são a base desse crescimento e têm na economia verde um novo campo de oportunidades.

Lucro com responsabilidade

Empreendedorismo sustentável é um modelo de negócio que busca gerar lucro, mas sempre levando em conta o impacto social e ambiental. Ou seja, não basta só crescer: é preciso fazer isso de forma responsável, preservando recursos naturais e beneficiando a comunidade.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauienseFábrica de tijolos ecológicos.

Para a especialista Mirna Vaz, hoje é impossível pensar em crescimento sem atentar para a sustentabilidade.

“Cada projeto ou ideia precisa se conectar com esse conceito. O Sebrae é signatário dessa causa e participa ativamente dek eventos que promovem o desenvolvimento sustentável. Oferecemos instrumentos, orientações e uma vasta gama de informações para ajudar os negócios a crescerem com responsabilidade ambiental e social. A revolução industrial é necessária, mas deve caminhar lado a lado com o cuidado ao planeta”, completa.

Construir o futuro

Mesmo tímidas, iniciativas como a das fábricas de tijolos ecológicos apontam caminhos onde o desenvolvimento econômico caminha lado a lado com o cuidado com o planeta.

“Investir em materiais sustentáveis é investir no futuro: preservamos o meio ambiente, geramos emprego e renda, e construímos um novo caminho para a construção civil no Piauí”, resume Leonardo Pereira.

Foto: Narcílio Costa/ Correio PiauiensePequenas mãos, grandes futuros.
Pequenas mãos, grandes futuros.

Com olhos no horizonte e o coração no presente, o tijolo ecológico mostra que o progresso não precisa custar caro à natureza. Mais do que uma nova forma de construir, ele representa um novo jeito de pensar: com responsabilidade, inovação e esperança. Porque o futuro começa agora, nas mãos de quem cuida da terra e nos olhos de quem vai herdar o mundo.

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